Histórias e Lendas:
A tradição oral cumpre uma função fundamental no processo de aculturação, a que todo o ser humano se sujeita, desde o dia em que nasceu. Porque na História de uma comunidade são muitos os acontecimentos que deixam marcas para a posteridade, não admira que, ao longo dos anos, se tenham discorrido numerosas lendas e contos populares acerca dos mesmos, como forma criativa de transmitir os costumes, as tradições e as crenças comuns às gerações vindouras.
A lenda mais conhecida é a da donzela moura apaixonada por um cavaleiro cristão que, ao ver, numa encosta próxima, o seu amado extasiado perante a sua beleza, assomou a urna fresta do janelão da torre para lhe gritar: “Mira e anda!» para que as sentinelas não dessem sinal de inimigo à vista.
A lenda romanceada acabou por ser o motivo central do selo e do escudo de armas do concelho de Miranda. Também alguns crêem — romanticamente — estar na exclamação da donzela, a origem do nome de Miranda.
Danças e Cantares:
Fazem parte da memória dos mais velhos, os serões bem passados com modas antigas (século XVII, .VIII e XIX), como Conceição, Moleirinha, Dobadoira, Ã Beira d'água, Vira dos Moinhos, Vira do Senhor da Serra e Não me ponha a mo na cinta, entre outras, que se cantavam e dançavam no final do trabalho, nos dias de folia, de bailarico e na festa anual.
Apresentam-se hoje em encontros gastronómicos, em festivais de folclore, em festas da terra e em diversas manifestações culturais.
Trajes Característicos:
De acordo com documentos antigos, recuperaram-se os trajes de Ver a Deus, Camponês, ceifeira, Tecedeira, Senhor Rico, Morgado, Romeiro, Cesteiro, Resineiro e Serrador, que se reportam aos séculos XVII, XVIII e XIX.
Apresentam-se hoje bem conservados, em encontros gastronómicos, em festivais de folclore, em festas da aldeia e em diversas manifestações culturais.
Jogos Tradicionais:
Jogo do pião: o pião era um dos brinquedos preferidos da pequenada. Dentro de um circulo encontravam-se os piões dos adversários que nós, através do lançamento do nosso, pretendíamos afastar daquele espaço, tentando acertar-lhes. Acontecia muitas vezes, com tal acto, rachar os piões dos colegas. O hábil manejamento do pião também era algo de que nos orgulhávamos de mostrar tentando evidenciar a nossa destreza manual. Um dos pontos fortes consistia em conseguir pô-lo a rodar com bastante força para seguidamente, na continuação do seu movimento, pegá-lo e «adormecê-lo» na palma da mão.
Jogo do prego: delineava-se uma área, normalmente um grande círculo, em terreno relativamente mole. Depois, cada jogador, na sua vez, munido do seu prego (altos, de barrote) começava por conquistar um «território». Podia ir avançando lançando o prego e criando uma linha imaginária. A distância entre cada lançamento nunca podia ser superior ao tamanho do pé do jogador. Sempre que o prego não espetasse no terreno, o jogador perdia a sua vez e dava-a a um dos adversários. Ganhava quem conquistasse a totalidade do círculo previamente definido.
Jogo do mata: definiam-se três linhas onde estavam, respectivamente, um indivíduo da equipa A (o morto), vários jogadores da equipa B, jogadores da equipa A e o «morto» da equipa B. Circulando uma pequena bola de lona entre os dois campos com a mesma letra, tentava-se lançar a bola contra a equipa adversária e «matar», isto é, acertar em um dos jogadores adversários que iria, após isso, fazer companhia ao «morto».
Jogo da macaca: o jogo consistia em atirar a malha (objecto de forma achatada, utilizado para jogar) para dentro dos quadrados, seguindo-se sempre uma ordem: cabeça (pescoço), braços, barriga e pernas. Sempre que se falhava, dava-se a vez a outro jogador. Isto ia-se fazendo até chegar às «pernas». O jogo continuava atirando-se a malha de costas e finalmente com ela em cima do pé.
Jogo da corda (1): jogo, sobretudo do agrado das raparigas, que consistia em saltar sobre uma corda em movimento, evitando tocar-lhe. À medida que o jogo ia decorrendo aumentava o grau de dificuldade dos jogadores, elaborando manobras mais difíceis e aumentando a velocidade de circulação da própria corda.
Jogo da corda (2): estabelecida uma linha limite, duas equipas, compostas por vários elementos, agarram uma corda. O objectivo do jogo é tentar «puxar» para o seu «território» a equipa adversária.
Pau de sebo: erguia-se um pau com uma certa espessura num espaço aberto, colocando-lhe sebo (gordura animal, normalmente de porco) que o tornava extremamente escorregadio. Quem o conseguisse subir ganharia o prémio que estivesse na sua ponta.
Jogo da porca: para jogar é necessário uma pinha e cada elemento munir-se de um pau. Era jogado por rapazes, geralmente durante a Quaresma. No chão fazia-se uma poça – o nicho da porca – à volta do nicho cada elemento do jogo fazia um buraco. Para iniciar-se o jogo punha-se a pinha no nicho da porca, o objectivo do jogo seria tirar a pinha com o pau. Aquele que fosse mais habilidoso e conseguisse, tinha que correr para o seu buraco e pôr lá o pau, sob pena de um adversário ser mais rápido e ocupar o seu buraco, se isto sucedesse o que tirou a pinha do nicho perdia.
Jogo do frade: começa-se o jogo colocando três paus ao alto que podem ser ramos de uma árvore. Os paus são colocados formando uma pirâmide que se assemelha ao capuz de um frade e daí o seu nome. Podem jogar dois jogadores. Um é colocado ao pé do frade e o outro a uma distância a determinar. O jogador que está a uma certa distância tem uma malha (pedra do rio e de forma achatada e redonda) que deverá atirar para derrubar o frade, mas antes diz: Quem derruba o frade? O outro responde: Está cá gente! O primeiro pergunta novamente: Quem o derrubou? E o outro responde: Ficou todo contente. Dito isto atira a malha. Se derrubar o frade, foge e o outro vai atrás dele tendo que o agarrar e trazer às costas até ao pé do frade. Depois trocam e começa novo jogo.
Jogo do bicho: material necessário – botões ou moedas de tostão, um taco de madeira ou um carrinho de linhas vazio, um pataco (moeda antiga de pouco valor), na ausência do pataco um botão. Jogado geralmente por rapazes na época da Quaresma, altura em que havia poucas distracções. Cada elemento do jogo munia-se de um pataco e botões ou tostões. Colocava-se o bicho (taco de madeira) a uma distância considerável dependendo da idade dos elementos do jogo, cada um
atirava o seu pataco ao bicho para se apurar o rei (o primeiro elemento a jogar, aquele que conseguisse ficar mais perto do bicho seria o rei). Cada jogador punha um botão em cima do bicho e na sua vez atirava-se o pataco de forma a atingir o bicho para que os botões caíssem. Aquele que conseguisse iria medir a distância entre o pataco e os botões e entre o bicho e os botões. Aqueles botões que estivessem mais perto do pataco pertenciam ao jogador (dono do pataco), os que estivessem mais perto do bicho eram deste e o jogador continuava até não haver botões. Ganhava o elemento que obtivesse maior número de botões.
Jogo do rico rico chaco: uma criança sentada e outra de joelhos com a cara escondida no colo da primeira. A que está sentada, batendo com a mão nas costas da outra, diz:
Rico rico, rico chaco
Quantos dedos estão no ar
Se disseres dois ou três
Não perdias nem ganhavas
Rico rico, rico chaco
Quantos dedos estão no ar?
A criança que tem a cara escondida no colo tem de adivinhar quantos dedos a outra pôs no ar. Quando adivinhar, trocam de posição. Jogava-se na escola.
Jogo da bichinha: todos em pé a andar de volta e um a apanhar. O que anda a apanhar tenta agarrar os outros que para se livrarem têm de se baixar. A criança que anda a apanhar não se pode baixar.
Corridas de sacos: cada jogador, com a parte inferior do corpo dentro de um saco, tenta alcançar primeiro que os outros uma meta predefinida.
Jogo do botão: para jogar ao botão era necessário um fito (pedra pontiaguda em forma de triângulo), uma malha para cada jogador e botões. Primeiro determinava-se a ordem de jogada. Depois colocava-se o fito a certa distância e cada jogador colocava o botão em cima do fito. Pela ordem estabelecida, cada jogador tentava derrubar o fito. Os botões pertenceriam ao jogador cuja malha ficasse mais próxima do botão, desde que o fito não estivesse mais próximo do botão. Neste caso jogaria outro jogador, tentando aproximar a malha do botão ou botões ainda não apanhados e assim sucessivamente.
Jogo do arranca-te nabo: as crianças colocam-se em filas aninhadas e com as mãos na cinta formando «asas» com os braços. Vem uma criança por detrás e tenta «arrancar» puxando pelos braços uma a uma as crianças aninhadas que cada uma por sua vez faz força para não ser arrancada. A criança que tenta arrancar os nabos diz: - «Arranca-te nabo que já estás criado».
Jogo do divino machucar: jogam dois jogadores. Um está agachado. O outro coloca a mão atrás das costas deste e levanta por exemplo três dedos e pergunta-lhe: - Quantos dedos estão no ar? Ele responde e se não adivinhar ele diz: - Se dissesses quatro não perdias nem ganhavas, ao divino machucar quantos dedos estão no ar? E repete-se a jogada até adivinhar.
O arraiado: tira-se à sorte a ver quem é que vai «dormir», depois todos se vão esconder. Enquanto a criança vai «dormir» ao arraiado conta até 10. No final vai
procurar os outros e diz: «Rôrô, carrapeta já aqui vou!» Sai e vai a correr procurar as outras crianças. A criança que for vista primeiro vai dormir. Os que baterem com a palma da mão no arraiado safam-se.
Cabra-cega: um grupo de crianças formava uma roda. No meio e com os olhos tapados com um lenço e com um pau na mão estava outra criança que era a cabra-cega. Colocava-se um ovo choco no meio. A cabra-cega tinha de com o auxilio do pau partir o ovo choco.
Jogo das pedrinhas: com um pau de giz faziam um circulo no chão e aí dispunham as cinco pedrinhas. Apanhavam a primeira pedra e as seguintes eram apanhadas enquanto se atirava ao ar a que se tinha na mão. Primeiro era apanhada na palma da mão, depois com as costas da mão.
Jogo da péla: jogo juvenil jogado por rapazes e raparigas com uma bola de farrapos que se chamava péla. O jogo consistia em atirar a péla a um caixote que se encontrava a uma distância aproximada de 50 metros. Quem acertava no caixote ganhava e saía do grupo. O último a ficar perdia.
Chincas: era com cinco pedrinhas. Com uma mão deitávamos a pedrinha ao ar e tentávamos apanhar as que estavam no chão a tempo de apanhar a que tínhamos deitado ao ar. Andávamos sempre à procura das pedrinhas mais redondinhas. Guardávamos as pedrinhas no bolso da bata e quando perdíamos alguma ficávamos muito tristes.
Jogo da pitorra: joga-se com uma espécie de peão feito em madeira. Em cada face do pião estão inscritas iniciais: R-rapa; T-tira; D-deixa; P-põe. Era jogado com botões que muitas vezes se arrancava do vestuário ou então com feijões. Os botões eram em número igual para todos e previamente combinavam quantos punham e jogava-se consoante a letra que saía. O jogo terminava quando um jogador ficava com os botões todos.
Jogo da condessa: de um lado está uma menina (a Condessa) com as filhas, que lhe seguram o vestido, formando roda, do outro lado está o cavaleiro que era uma menina.
O cavaleiro vai pedir uma filha à condessa e diz:
Ó Condessa, ó condessa
Ó Condessa de Aragão
Venho pedir-te uma filha
Das mais lindas que aqui estão
A Condessa responde:
Minha filha não a dou
Nem por ouro nem por prata
Nem por sangue do dragão
Nem por rabo de lagarto
O cavaleiro vai-se embora muito triste e diz:
Ai que tão contente eu vinha
Tão triste me vou achar
Pedi a filha à Condessa
Condessa não ma quis dar
A Condessa fica com pena e chama:
Tornai atrás cavaleiro
Entrai por esses portais
Escolhei a mais bonita
Essa que gostardes mais
O cavaleiro canta alegre, escolhendo uma da roda:
Não te quero por seres rosa
Nem a ti por açucena
Quero-te por seres formosa
E por seres a mais morena
Jogava-se na Escola Primária.
Jogo do lenço: duas equipas atribuíam a cada elemento um número que permanecia em segredo. Definia-se um espaço e, ao centro deste, um elemento alheio às equipas segurava um lenço com o braço esticado. Quando este anunciava um número, o elemento referente de cada equipa corria para o lenço e tentava alcançá-lo primeiro que o adversário.
Jogo da malha: com uma malha (caco, pedra achatada) tentava-se avançar por «casas» (quadrados desenhados a giz no chão), lançando-a para dentro dessas «casas» sem «pisar o risco» (os seus limites). Após isto saltávamos ao pé cochinho de casa em casa, excepto na que continha a malha e, na volta, sempre ao pé cochinho, recolhíamos a malha e acabávamos o percurso. Em seguida passávamos à próxima «casa».
Jogo do «pónei»: havia duas equipas e um indivíduo isolado – a «travesseira». Este colocava-se encostado a uma parede. A primeira equipa, encostada a ele, agachava-se formando a montada. A equipa adversária, em corrida, saltava para cima deles. Ao saltar cada indivíduo anunciava, obrigatoriamente, a seguinte frase: «Pónei, catrapónei, aqui vai o pónei!». Se a montada «arrear», esta equipa perde. Se aguentarem o peso dos adversários, trocam com estes e são eles agora que saltam. Era um jogo, sobretudo, para os rapazes.
Estes jogos usavam-se nas festas e romarias, aos domingos, e os miúdos da escola nos momentos livres; reportam-se aos séculos XVII, XVIII, XIX e XX ou até antes. Os jogos poderão não ser exclusivos do nosso concelho. Existiriam, certamente, noutros locais com este ou outro nome e, eventualmente, com algumas variantes.